CONTOS DO MOTTA
HISTÓRIAS FICTÍCIAS QUE PODERIAM SER VERDADEIRAS
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MEIA PORTUGUESA, MEIA CALABRESA
O homenzarrão não falava. Gritava. Vomitava palavras.
O rosto inchado. Vermelho. Puro ódio.
Da boca saíam perdigotos nojentos. Baba venenosa.
- Animal, burro! Disse que ia pagar com cartão!
- A moça deve ter se enganado. Não me deu a maquininha...
- Ela que se foda. Não vou pagar com dinheiro. Eu disse que era cartão!
- Então eu vou ligar para ela, pra ver o que a gente faz...
- Vai ligar porra nenhuma. Quero a minha pizza já!
Foi nesse momento que o entregador, rapaz esperto, sacou o lance do sujeito.
E foi mais rápido que o otário.
Subiu na moto, pizza na mão, deu partida e se mandou.
Deu para escutar o que disse antes de sumir na rua:
- Meia portuguesa, meia calabresa, né? Vai ficar na vontade, seu mané.
FIM DE PAPO
AMANHÃ É SOMENTE HOJE COM OUTRO NOME
ODE À DESESPERANÇA
HOMENS PEQUENOS
A LUZ NO FIM DO TÚNEL
OS MORTOS E OS VIVOS
OS DEUSES DE SANGUE E PUS
O FOGO QUE NOS PURIFICA
EU VI O LOUCO E O LADRÃO
HOMENS E BEBÊS
Fingia que não se importava com os xingamentos, os terríveis palavrões, as ameaças de todo tipo, e até mesmo as fracas agressões que recebia do frágil corpo daquele homem, o seu paciente, sua fonte de renda exclusiva depois que foi demitida da Casas Bahia.
Havia investido uma boa parte do que recebera pela dispensa num curso de cuidadora de idosos.
Achava que levava jeito para a coisa, gostava de crianças e velhinhos, sentia orgulho em dizer que esteve presente, dia e noite, no último ano de vida de seu pai.
Mas nunca esperara ter de cuidar de alguém como aquele homem, alma ruim.
Era só ajudá-lo a se levantar da cama, ou da poltrona, ou dar comida a ele, ou despi-lo para tomar banho, ou, enfim, fazer qualquer coisa que uma cuidadora tem de fazer com seu paciente, que ele se transformava, virava um demônio.
- Filha da puta! Vai embora, você é horrível!
Era uma agonia.
E não adiantava reclamar com a filha daquele homem:
- Não ligue, ele não fala por mal, isso é da doença.
Quando chegava em casa, chorava de nervosa.
Até que um dia percebeu que se continuasse com aquele homem iria ficar doente - nem dormia direito mais.
Pediu a conta.
E resolveu tentar um novo ofício: foi ser babá.
- As crianças choram, mas não dizem palavrão. De resto, aprendi a fazer quase tudo que um bebê precisa: dou comida, banho, troco a fralda... - explicou para a vizinha, sua boa amiga.
Foi, enfim, feliz.
O ÚLTIMO TORCEDOR
A bandeira era um farrapo só.
Como seu time.
O pior entre os piores.
Um saco de pancadas.
De vexame em vexame, de goleada em goleada, sobraram sete jogadores, três torcedores, e um cachorro magro e feio que abanava o rabo quando o juiz apitava falta, pênalti, escanteio, tiro de meta, gooool.
Nem técnico havia.
As camisas do uniforme estavam cheias de buracos, a cor indefinida entre um pálido amarelo e um branco acizentado.
Ninguém tinha chuteira.
Quando o jogo começava a derrota surgia inexorável e imensa em todos os cantos, em todos os rostos, em todos os lances grotescos daquele time despedaçado.
Os três torcedores viraram dois - Altamiro desesperou-se e mudou de bairro para ficar longe da humilhação -; Bento trocou a paixão do futebol pelo corpo da mulata Joana.
Sobrou ele, o obstinado, o último torcedor.
- Homem que é homem não muda de time - dizia a quem estranhava sua obsessão pela derrota.
Mas o tempo passou depressa, o campo esburacado onde tanta raiva e vergonha foram plantadas virou um condomínio de luxo, cinco altas torres de prédios indiferentes aos dribles e fintas que incontáveis craques anônimos deram às vicissitudes da vida.
O time se foi, cada um por si, cada qual para o lado que achou melhor.
E ele, o abnegado, se sentiu traído, se sentiu roubado.
- Meu time me abandonou, mas eu nunca vou abandonar meu time - falava em voz alta, a mesma voz com que xingava o juiz, os bandeirinhas, o goleiro do adversário, para quem quisesse ouvir.
A LEI DO SILÊNCIO
Morava no décimo andar, ou seja, o último.
CHOCOLATE DOCE DEMAIS
Quando pisou na bola pela primeira vez, mandou à patroa rosas vermelhas. Foi perdoado, mas teve de prometer andar na linha.
Na segunda vez, escolheu um arranjo de gérberas.
Custou uma nota, porém valeu a pena: o caso ficou por isso mesmo, nem promessa fez.
Na terceira, juntou um cartão com versos mancos às anêmolas que comprou para o amor de sua vida.
Escorreram lágrimas daquele rosto ingênuo.
Houve uma vez mais, apenas uma.
Achou que se livrava fácil com um buquezinho de pobres margaridas.
Acabou tendo de se consolar do adeus inesperado mastigando os chocolates doces demais que havia guardado para tal eventualidade.
A PAZ DE ESPÍRITO
O pequeno telefone celular tocou.
Não uma, mas duas, três vezes.
Aquele som estridente da campainha que ele não soube escolher.
Depois parou.
Foi só então que tomou coragem para ver o número.
Um número desconhecido.
Quem seria?
Quem teria sido tão insistente para ligar três vezes em seguida?
Procurou esquecer o assunto.
Mas não pôde, porque o telefone gritou novamente por ele.
Alto.
Forte.
Até se calar.
O coração disparado, a mão tremendo, a boca seca, os sinais do pânico.
O silêncio.
O pequeno telefone jogado na mesa, um objeto como qualquer outro, porém capaz de provocar o terror, minúsculo demônio.
Não pensou.
Agiu por instinto, como as bestas.
E só depois de ouvir aquele inconfundível CRAC que fez o monstro ao se despedaçar sob os seus pesados e duros sapatos é que pôde reencontrar a paz de espírito intensamente almejada desde sempre.
Desde que havia comprado, em seis suaves prestações, aquele aparelhinho que lhe prometia o paraíso.
O HOMEM INSIGNIFICANTE
Não era baixo nem alto. Nem gordo nem magro. Não ganhava bem nem mal. Classe média, sustentava a família - mulher e filho - morando num apartamento de dois quartos, 55 metros quadrados, num bairro da periferia, comprado com a ajuda do sogro e do dinheiro do FGTS.
Almoçava fora de casa, ia ao trabalho no Palio 99 que levava uma vez por ano ao mecânico - de confiança - perto da padaria. Voltava só depois das 8 horas da noite. Comia alguma coisa que a mulher tinha feito no almoço, via o Jornal Nacional, lia a Folha, que comprava religiosamente na banca perto do emprego.
Dormia um sono agitado, tinha a pressão alta, mas não consultava nenhum médico. Preferia o remédio que o farmacêutico lhe vendia, com a garantia de que era um lançamento, tiro e queda e tal. Consultava a bula e fingia sacar tudo aquilo que as letrinhas prometiam e advertiam.
2
O dia em que voltou para casa com o coração disparado, quase na boca, a adrenalina solta no corpo cansado, começou com nuvens e terminou com chuva.
E foi a chuva a responsável por tudo.
Se o asfalto da rua do posto de gasolina onde, por R$ 60 mensais guardava seu Palio, estivesse seco, talvez,
muito provavelmente,
com certeza absoluta,
aquele Gol verde tivesse parado apenas poucos metros depois de ter as rodas travadas pela ação instintiva do seu motorista que meteu o pé no freio quando o moleque largou a mão gorducha da mãe e correu desembestado sabe-se-lá-para-que-direção apenas que era para onde não deveria ir ou seja:
o meio da rua com o asfalto molhado e escorregadio.
A buzina estridente fez com que virasse a cabeça para a esquerda e fosse atingido de frente por pingos d'água agressivos e gelados. Aí, nesse instante, seu olhar se congelou numa cena de cinema, uma tragédia descolorida pelo anoitecer precoce devido às nuvens opressivas daquele dia úmido.
pensou
não pensou
e se atirou com toda a força que pôde ao encontro daquela figurinha de vermelho e verde e tão viva que se movia como um personagem desarticulado de desenho animado.
3
Ao tocar a campainha do apartamento no sexto andar não esperava que sua mulher fosse se atirar em seus braços e dizer eu te amo como nos filmes.
Nem que seu seu filho viesse lhe contar que era o melhor aluno da escola que custava mais que o salário mínimo por mês e não tolerava mensalidades atrasadas.
Nada disso.
Sabia que naquela noite o sofá desbotado,
as cadeiras meio bambas,
a parede de cor indefinida,
os talheres gastos,
o prato lascado,
a comida insossa,
as notícias velhas da televisão e do jornal
e até mesmo o beijo mecânico de sua mulher murcha e sem graça e a indiferença ingênua de seu filho raquítico e pálido
teriam um gosto único e especial.
Porque naquela noite ele não era o homem insignificante que acostumara toda a sua vida a ser.
DUAS CARAS
Do lado direito era feio, duro e implacável.
PORRADA
TELEFONE SEM FIO
- Você viu? A mulher do patrão entrou na sala dele e saiu de lá na maior pressa...
- ...Saiu de lá chorando à beça...
- ...Parece que o filho deles foi pego fumando um cigarro...
- ...Com maconha no carro...
-...Resolveram tirar um mês de férias...
- ...O garoto vai ficar com uma tia...
- ...Numa casa completamente vazia...
- Tenho tanta pena dessa família!
QUARTETO DE CORDAS
O quarteto sempre havia se dado bem.
Até o dia em que o segundo violino esticou a corda demais - o primeiro violino achou aquilo um insulto.
A viola se incomodou e entrou na discussão: reclamou uma autoridade que foi contestada pelo grave violoncelo.
No meio da sonata o pau quebrou feio.
E não houve Brahms que desse jeito nem Beethoven que consertasse o estrago ou Mozart que restabelecesse a ordem.
A paz chegou apenas quando baixou um Pixinguinha com seu jeito manso de insinuar a melodia e sua maestria em prever o tempo certo para qualquer compasso.
Ou seja, o recital teve um fim imprevisto, mas satisfatório.
E todos voltaram felizes para casa.
Menos o piano, que permaneceu mudo, porque não tinha nada a ver com aquela confusão toda.
GIGANTE
Ouviu isso a vida inteira. Às vezes ria. Depois chorava de raiva. Mas aguentou calado. Os anos se passaram, subiu na vida. Era pequeno, mas importante. Estudou, deu duro, trabalhou feito um burro (ops, um burrinho), foi duro com os amigos (poucos), fez inimigos (muitos) e hoje sabia que era invejado.
Apesar do metro e meio de altura.
E, mais que invejado, respeitado.
Por isso estava orgulhoso de ter sido convidado para a cerimônia de assinatura do contrato da firma em que trabalhava com aquela multinacional poderosa, distante, fria e exigente. Contrato que tinha redigido, modificado, corrigido, linha por linha, palavra por palavra, vírgula por vírgula. Um triunfo que atingia, naquele momento, seu auge.
- Com a palavra, agora, o dr. Gilmar Pereira, diretor-presidente da Pereira Edificações. Palmas merecidas.
Os fotógrafos e cinegrafistas se atropelaram na busca do melhor ângulo.
- Senhoras e senhores, é com muita satisfação que recebo cada um de vocês nesta humilde casa para anunciar que fechamos o contrato para a construção do maior empreendimento imobiliário de nossa cidade, com nada mais nada menos que a Empire Investments. Todos os detalhes do negócio serão dados posteriormente pelo nosso diretor-financeiro, o dr. José Ribeiro. Quero também, neste momento, agradecer ao nosso diretor-jurídico, o dr. Bráulio Gimenez, que empreendeu uma tarefa hercúlea, à altura de seu enorme, imenso, gigantesco talento...
O que se seguiu depois teve várias versões. Mas ficou mesmo a que saiu no Jornal de Notícias: "A determinada altura do discurso do diretor-presidente da empresa, justamente na parte em que era elogiado pelo seu 'enorme, imenso, gigantesco talento', o diretor-jurídico, dr. Bráulio Gimenez, começou a xingar o seu patrão, entre outros palavrões impublicáveis, com gritos de 'filho da p..., gigante é a mãe', antes de agredí-lo com chutes e socos e ser, finalmente, contido e dominado pelos seguranças."
O estilo pode ser ruim, mas a descrição foi fiel aos fatos.
O jornal fez ainda a ressalva de que o dr. Bráulio Gimenez, justamente devido aos meses de trabalho exaustivo que tivera para concluir o contrato com a Empire Investments, havia sido vítima de um colapso nervoso.
Informou também que ele estava tomando uma medicação muito forte, "capaz de reações imprevistas se adicionada a bebidas alcoólicas", como explicou seu médico particular, o dr. Bento José Dias.
E testemunhas juram que viram o dr. Bráulio Gimenez pedir pelo menos três doses de uísque no coquetel que antecedeu o discurso do patrão.
"E doses duplas, que derrubariam até um homem de tamanho normal", disse um dos convidados ao repórter do Jornal de Notícias.
A FONTE DA JUVENTUDE
Quando notou que os cabelos negros de sua mulher estavam mais bonitos com o tom prateado que haviam adquirido nos últimos anos, tomou a decisão de não procurar mais saber, diariamente, na frente do espelho, com os olhos míopes arregalados, se a barba estava ficando mais branca.
Percebeu que essas mudanças não eram apenas exteriores.
Sentia o coração leve, a alma solta, o espírito em paz.
E, assim, abandonou definitivamente qualquer esperança de se tornar eternamente jovem.
ZÁS-TRÁS

Era pretinho, ficava nos cantos quieto, medroso, à espera da oportunidade, à mercê do desejo, da fome, os olhos brilhando como tições, o nariz caçando odores, a língua uma lixa seca, as garras recolhidas, prontas para virar punhais.
SEQUESTRO POR TELEFONE
- Alô, é o Celso? Quero falar com o Celso.
-É ele, pode falar.
- O senhor ama a sua filha?
- Não tenho filha.
- Mas o senhor ama a sua filha?
- Já falei que não tenho filha.
- Ah, não? Mas, bem, o senhor ama a sua mulher?
- Claro, estou casado com ela há 20 anos.
- E não tem filha?
- Nem filho. E daí? Afinal, o que o senhor quer?
- É sobre a sua mulher...
- O que tem a minha mulher?
- O senhor ama a sua mulher?
- O senhor já me perguntou isso.
- É que nós estamos com a sua mulher.
- Nós quem?
- Ah, isso eu não posso falar.
- Então vou ter de desligar. Não sei quem é o senhor nem o que quer.
- É sobre a sua mulher...
- Mas que é que tem a minha mulher?
- Nós estamos com ela e se o senhor a ama...
- Mas que raio de história é essa de eu amar a minha mulher?
- Não, veja, se o senhor a ama... É que nós estamos com ela...
- E daí? Ela pode ficar com quem quiser. É minha mulher, mas pouco me importa quem são seus amigos.
- Mas nós não somos amigos dela.
- E não me importa quem são seus inimigos.
- É que estamos com sua mulher e se o senhor a ama e a quiser de volta, vai ter de pagar para nós dez mil reais.
- Pagar para ter a minha mulher de volta? Mas o que é isso?
- O senhor não entendeu? Nós seqüestramos a sua mulher e se o senhor quiser ter ela de volta, vai ter de pagar...
- Dez mil reais? A minha mulher vale dez mil reais? Nem eu valho isso.
- Bom, pode ser menos. Oito mil.
- Nem cinco, nem mil. Para que eu vou querer pagar pela minha mulher? Pago todo dia para ela. Quem é que trabalha aqui nesta casa? É ela? Não senhor, sou eu. Ela só sabe gastar.
- Mas se o senhor ama a sua mulher, vai ter de pagar.
- O senhor respeite a minha mulher. Pagar uma ova. O senhor acha que ela é uma prostituta?
- Não, não disse isso. Só que queremos dez, não, cinco mil reais para soltar a sua mulher, senão...
- O quê? Soltar? Como? Ela está presa? Aprontou alguma? Roubou, matou? Bateu o carro? Estava bêbada?
- Não, não... É que nós a seqüestramos...
- E ela não fez nada? Ficou quieta? Como foi isso? Quero falar com ela agora para resolver esse assunto. Passe já o telefone para ela.
- Mas não é assim que funciona. Não posso deixar o senhor falar com ela. Mas ela está bem.
- Mas é claro que está bem. Não trabalha, gasta o meu dinheiro, vive fofocando com as amigas, não limpa a casa, cozinha com uma má vontade que dá dó e o senhor queria que ela estivesse doente? Que estivesse Cansada? Claro que não. Está é gorda, desmazelada.
- Então, se o senhor quiser que ela volte, vai ter de pagar cinco mil...
- De novo? Como vou ter pagar para ter a minha mulher? Isso é um absurdo! Nem um centavo, nada.
- Mas se o senhor não pagar, nós vamos ter de dar um sumiço nela.
- Como se isso fosse fácil... O senhor diz isso porque não conhece a minha mulher. O senhor não acha que eu já quis sumir com ela umas mil vezes? E sabe o que consegui? Sabe? Ela não larga mais do meu pé, só vive para me encher, faça isso, faça aquilo, não coma isso, não beba aquilo... Um inferno.
- E como nós vamos resolver o assunto?
- Por mim está resolvido. Se o senhor sumir com ela será ótimo para mim que fico livre dela e não gasto mais nada.
- Mas assim nós vamos ficar no prejuízo.
- E eu que estou faz 20 anos no prejuízo? Isso não conta?
- Mas não está certo, não é assim que funciona. O senhor tem de pagar.
- Não pago e além disso mando a conta do que ela gastou este mês com o meu cartão de crédito para o senhor. Qual é o seu endereço, por favor?
- O meu ende... O senhor está louco?
- Faz tempo que estou, casado com essa mulher qualquer um fica louco. O endereço, o CIC e o RG, por favor que eu não quero mais perder meu tempo.
- Não vou dar endereço nem nada. O senhor não sabe que esse negócio de passar números pelo telefone para estranhos é perigoso, que está cheio de malandro e vigarista por aí?
- Se é assim, então vou ter de desligar.
- Tá bom, então até logo.
- Passe bem. E diga para minha mulher vir logo para casa.
- Pode deixar. Será um prazer. Um bom dia para o senhor.
- E para o senhor também.
Fim da ligação.
É CAMPEÃO!
DE CARNE E OSSO
Era um mulherão de fechar o comércio.
Longos cabelos morenos, sobrancelhas negras, seios cujas formas voluptuosas a blusa amarelinha deixava adivinhar, calça de jeans apertada, justinha, uma perfeição só.
O caixa do banco estava de olho nela fazia bem uns 15 minutos.
E contava os segundos para atendê-la.
Finalmente, ela ficou na frente dele, olho no olho, aquela boca carnuda a menos de 30 centímetros da sua boca atônita.
- Pois não - quase gaguejou de tanta emoção, o coração aos pulos, descontrolado.
- O senhor pode depositar esse cheque? Cai na conta hoje? - perguntou, com uma voz de criança, fininha, sem entonação e nenhuma graça.
- Cai, sim - respondeu o caixa, aliviado por ver que a sua deusa era apenas só mais uma mulher.
E antes de chamar o próximo cliente, viu que o relógio da parede marcava 11 e 15 e ele tinha ainda um longo dia pela frente.
SEM PARAR

Furava os semáforos vermelhos igual faca cortando manteiga.
PINTOR DE PAREDES

Olhava mais uma mancha no teto do corredor.
NA PRAÇA

Era impossível alguém não notar a figura alta, magra, suja, repulsiva até, que andava de um lado para outro na praça, os braços se abrindo e fechando, a boca se mexendo, tentando formar palavras, frases, sons vagamente humanos.
Língua de fora, seguia o mendigo por todo o lado.
Até mesmo quando ele se sentou, talvez cansado, talvez apenas para esperar que um improvável sol viesse esquentá-lo naquela manhã.
Todos correram para ver o que havia acontecido.