DUAS CARAS



Do lado direito era feio, duro e implacável.
Do lado esquerdo contrariava a lógica e se sentia humano.
No primeiro passo esmagava qualquer vida que se pusesse à frente.
No segundo, ultrapassava os limites e chegava a flutuar.
O primeiro gole queimava.
O segundo aplacava o fogo.
No espelho, o que via era só um rosto.
No travesseiro, fechava os olhos e sonhava com anjos.
Era certo de dia
e errado de noite.
Sentia a alegria dos palhaços
e a tristeza dos desenganados.
Passeava por praias, montanhas, estradas sem fim e cidades encantadas.
Trancava-se no sótão escuro habitado por fantasmas ancestrais.
Comia e bebia com prazer.
Maltratava seu corpo com a tortura da sede e da fome.
Corria.
Parava.
Subia.
Descia.
Se fosse preciso calaria as injustiças do mundo com sua voz embargada de emoção e fúria.
Mas nunca faria nada que pusesse em risco sua tranqüila e segura concordância com tudo.
Num certo dia de sol, depois de se mover solto e leve pela praça que separava sua casa da estação do metrô, foi subitamente abordado por dois pivetes que
primeiro deram um murro no seu estômago,
depois chutaram suas costelas quando estava no chão
e, por fim, saíram rindo como se nada tivesse acontecido, levando sua carteira com 150 mangos, cartões de crédito e débito, documentos e outras coisas de menor importância.
Foi aí que quis rir,
mas apenas chorou.



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