DÍVIDA



Desnorteado depois que o gerente recusara um mísero empréstimo de uns trocados que não iriam fazer a menor falta para aquela abastada financeira, mas que livrariam a sua cara com o maldito agiota que ameaçava tomar seu carro, carro que era o seu xodó, que custou tantas horas extras e tanto sacrifício, ele sentou no banco da praça, respirou fundo com a esperança de que a sua raiva passaria e então poderia pensar como poderia se ver livre dessa maldita encrenca em que havia se metido.

Respirou fundo, mas em vez de sentir sua mente mais clara, como mil vezes havia lido nos compêndios de autoajuda, em vez de sentir seu cérebro mais disposto a ver o mundo com cores alegres e sons beirando a melodia dos anjos, em vez de sentir seu corpo mais leve e pronto para não só resistir às vicissitudes da vida, mas a superar heroicamente as estocadas do destino, ele tossiu, tossiu com violência, tossiu como se expulsasse dos pulmões todo o ar do planeta Terra.

Também, pudera, quem mandou que tivesse sentado num banco bem ao lado do ponto de ônibus que despejava gente aos magotes e que esses malditos veículos fossem antes de tudo insensíveis usinas de poluição?

Tossiu e tossiu, sufocado pela descarga de fumaça que envolveu sua cabeça transbordante de problemas.

A solução para todas as suas desgraças surgiu instantaneamente na forma de um palavrão e de uma promessa que talvez jamais cumprisse:

- Puta que o pariu! Nunca mais pego dinheiro emprestado!

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