SAUDADE


De longe tudo parecia um emaranhado de tecidos multicoloridos. Uma tela fantástica sem molduras nem limites.
Quando, porém, a vista se acostumou ao sol, quando percebeu que o chão cimentado se impunha ao idealizado verde dos gramados, quando, por fim, uma lágrima, apenas uma, escorreu no seu rosto vincado pelo tempo, foi que se deu conta que sentia saudade.
Muita saudade.
(Para sempre lembrar da amiga Denise Akstein)

TIQUE NERVOSO


Tinha um tique nervoso que cobrava seu preço a todo instante. 
A cabeça se levantava impertinente, sempre agredindo quem estivesse à sua frente. 
Era irritante como todo movimento que se planeja para não falhar.
Ou como um pêndulo que vai e volta e depois se atrapalha e se enrosca em seu próprio mecanismo.
Certo dia, porém, no desespero de se controlar, fez um esforço tal que sentiu todo o pescoço estalar.
Faíscas riscaram seu cérebro, pontadas dilaceraram sua nuca, e ele deixou escapar, numa vozinha atônita e ceifada de ar a sua sentença final:
- Puta que pariu, doeu pra caralho, mas nunca mais!
E daí em diante passou a girar a cabeça de lá para cá, de cá para lá, sem ter nenhuma vontade de parar.