Filhinho

-Filhinho, vem comer que a sopa esfria.
- Tô indo.
- Não esquece de lavar as mãos.
- Tá bom.
- Tem pão quentinho no forno.
- Sei.
- Guardei a tubaína na geladeira.
- Quero guaraná.
- Depois eu preparo uma omelete.
- Com queijo?
- Fiz doce de lima de sobremesa.
- Tem goiabada?
- Mamãe vai sair e não demora.
- Tchau.
- Se papai chegar, diga que eu morri.
- Digo.
- Filhinho, mamãe te ama tanto!

O homem só

Perto da banca de jornal, distraiu-se com a buzina de um carro. Virou a cabeça para olhar à direita, não viu o poste bem na sua frente. O choque foi inevitável. A queda, também.
E foi uma queda daquelas de cinema, de comédia pastelão. Primeiro, o "aaiii" bem dolorido da cabeça contra o cimento. Depois, o enrolar das pernas num nó até então inimaginável. E, por fim, a vergonhosa viagem ao chão imundo, feio e cinza: um inimigo até então desconhecido.
Mas essa foi uma derrota pequena perto do que se seguiu. A derrocada iniciou-se com o homem de terno escuro que comprava o jornal na banca. Ele começou tudo, quando, em vez de estender a mão para pegar o troco, apontou para o corpo que rodopiava e se estropiava no solo. Bastou isso para que todos olhassem aquele pacote desfeito que antes se assemelhava a um homem.
O golpe de misericórdia veio do camelô ao lado da banca. Não, não foi uma risada comum que ele deu quando o monte informe de trapos tentava se erguer. Era mais um guincho, sibilino, interrompido por um arfar asmático, um chamado que foi envolvendo todos os que estavam naquela esquina, naquela manhã.
De repente, todos ali riam, alto, escancaradamente, despudoramente.
E riram até que o bêbado se ergueu e abraçou o poste, como se fosse um velho companheiro. Vários minutos se passaram então até que ele caminhou trôpego para a banca de jornais e perguntou ao rapaz do caixa, que fingia uma expressão séria:
- Desculpe, mas você tem fogo? Acho que perdi o meu isqueiro...
As mãos em concha, mostrou habilidade ao acender o cigarro com um só palito - e ventava! - e foi, bem devagar, oscilando como um navio num mar de tempestade, em direção ao burburinho da paisagem.
Depois, sumiu.

TINTA NEGRA

Olhou-se no espelho e não gostou da barba cheia que carregava todos aqueles fios brancos.
Olhou-se no espelho e achou que o rosto pálido não ficava bem com seus cabelos escuros.
Olhou-se no espelho e deu um sorriso de desdém ao ver um bigodinho de ator canastrão rasgar a magra face.
Olhou-se no espelho e detestou o cavanhaque pontudo como o de um dândi suburbano.
A solução foi ir à drogaria e pedir à solícita balconista uma tintura que restituísse à sua barba o negror da juventude perdida.

Traições

A loira virou para a morena, secretária como ela, na mesa ao lado:
- Saí ontem com o Ricardo.
- Não diga! Você é louca! E o seu namorado?
- Ah, não faz mal, ele não vai ficar sabendo. Só demos uns amassos.
- Eu não teria coragem, só de pensar numa coisa dessas fico tremendo.
- Mas você nem namora... Pode fazer o que quiser.
Dias depois, tomaram café juntas. A loira contou a novidade:
- Saí com o Roberto.
- Você é louca mesmo! E o seu namorado?
- Bobagem, ele não vai ficar sabendo. Mas não fizemos nada de mais, só uns beijinhos.
- Nossa, fico nervosa só de pensar.
Na segunda-feira, a morena não apareceu no escritório. Nem na terça, nem na quarta. Na quinta, uma ruiva sentou na sua cadeira. A loira pegou o telefone e ligou para a casa da morena. Foi a mãe que atendeu:
- Ela está de cama, doente. Mas eu digo que você ligou.
E nada.
A loira ligou de novo e mãe da morena atendeu mais uma vez:
-Não está. Resolveu sair do emprego. Eu digo que você telefonou.
Encontrou a morena três meses depois, por acaso, no shopping center. Levou um baita susto quando a viu na sua frente. Com uma barriga enorme.
- Que surpresa!
- Eu que o diga!
- É, dá pra ver, né? Gravidez de sete meses. Fiquei com vergonha de voltar para o emprego.
- Mas você nem namorava...
- Não mesmo. Era amante de um homem casado. Fazia dois anos que a gente se encontrava. Toda semana, às vezes mais de uma vez. E aí, aconteceu ...
Despediram-se.
- Quando nascer eu te aviso - disse a morena, depois de dar um beijo na loira e ir embora.
- E eu que achava que era galinha - pensou a loira, antes de entrar na loja de sapatos que exibia na vitrine um modelinho baixo, marrom escuro, ideal para ir trabalhar.