O homem só

Perto da banca de jornal, distraiu-se com a buzina de um carro. Virou a cabeça para olhar à direita, não viu o poste bem na sua frente. O choque foi inevitável. A queda, também.
E foi uma queda daquelas de cinema, de comédia pastelão. Primeiro, o "aaiii" bem dolorido da cabeça contra o cimento. Depois, o enrolar das pernas num nó até então inimaginável. E, por fim, a vergonhosa viagem ao chão imundo, feio e cinza: um inimigo até então desconhecido.
Mas essa foi uma derrota pequena perto do que se seguiu. A derrocada iniciou-se com o homem de terno escuro que comprava o jornal na banca. Ele começou tudo, quando, em vez de estender a mão para pegar o troco, apontou para o corpo que rodopiava e se estropiava no solo. Bastou isso para que todos olhassem aquele pacote desfeito que antes se assemelhava a um homem.
O golpe de misericórdia veio do camelô ao lado da banca. Não, não foi uma risada comum que ele deu quando o monte informe de trapos tentava se erguer. Era mais um guincho, sibilino, interrompido por um arfar asmático, um chamado que foi envolvendo todos os que estavam naquela esquina, naquela manhã.
De repente, todos ali riam, alto, escancaradamente, despudoramente.
E riram até que o bêbado se ergueu e abraçou o poste, como se fosse um velho companheiro. Vários minutos se passaram então até que ele caminhou trôpego para a banca de jornais e perguntou ao rapaz do caixa, que fingia uma expressão séria:
- Desculpe, mas você tem fogo? Acho que perdi o meu isqueiro...
As mãos em concha, mostrou habilidade ao acender o cigarro com um só palito - e ventava! - e foi, bem devagar, oscilando como um navio num mar de tempestade, em direção ao burburinho da paisagem.
Depois, sumiu.