Viagem

Não demorou para aparecer um táxi. A ida para a rodoviária foi rápida, os sinais de trânsito estavam verdes, havia poucos carros àquela hora da manhã. Era tão cedo...
Comprou a passagem, olhou em volta, não viu ninguém conhecido, sentou-se num banco e ficou esperando o ônibus. Um ônibus grande, enorme, feio, fumacento, que a levaria, em poucos minutos, para fora daquela rodoviária pequena, mínima, tolamente pintada de verde que ela passou a conhecer tão bem nos últimos dias.
Escolheu a janela. Por sorte o ônibus estava quase vazio. Ninguém viajava tão cedo assim. O lugar ao seu lado estava desocupado. Sorte... Uma palavra estranha, qual seria o seu significado? Seria sorte o fato de ela estar indo, sozinha, para a capital, àquela hora da manhã, num ônibus com a metade de sua lotação? Seria sorte esse ônibus sacolejar, rosnar, grunhir todos os seus metais pelas ruas da cidade? Seria sorte ver a paisagem passar sem sentido pela janela: casas, carros, placas, gente. Seria sorte ela respirar aquele ar úmido que vinha dessa paisagem, entrava pela janela e batia em seu rosto? Ou não?
A sorte, na verdade, era uma palavra proibida para ela naquele instante em que a paisagem mudava, as rodas do monstrengo passavam a atritar o asfalto da estrada e tudo se movia mais rapidamente. O tempo passava mais rápido, então. Nada do que fizesse poderia mudar isso. Estava, até chegar a seu destino, inexoravelmente presa àquela poltrona alta e macia, àquela paisagem monótona e fria, àquele movimento suave e constante.
Até então, sua vida tinha sido assim: suave e constante.
Teria tido sorte?
Teria sido feliz?
A felicidade era algo tão sem sentido quanto a sorte. As duas caminhavam à frente daquele ônibus como um bêbado que tenta se manter em pé. Oscilavam de lá para cá, do céu para o inferno. E entre os dois extremos, lá estava ela com seu corpo minúsculo, suas roupas ridículas, sua cabeça cheia de esperanças.
Será que me esqueci de trancar a porta? E a janela, meu deus, será que vai chover hoje e eu a deixei aberta? E se voltar tarde, já estiver escuro, será que vou ter dinheiro para pegar um táxi ou vou ter de ir a pé? Ultimamente ando tão esquecida... Será...
Fechou os olhos, tentou parar de pensar. Será verdade que havia gente que conseguia ficar sem pensar nada, absolutamente nada? Mentira, claro, tolice. Haverá sempre um clarão que acordará a consciência, um raio que iluminará o cérebro e porá tudo a perder.
Olhou para fora e viu que a paisagem mudava. O caos começava a tomar conta. Sinal de que estava chegando. Faltava pouco, agora. E isso era bom? Era ruim?
Não sabia. Não sabia de mais nada. A sua vida não estava mais em suas mãos. Tudo o que fazia hoje era cumprir um ritual determinado por outras pessoas mais sábias, mais preparadas. Um ritual que começava cedo, três vezes por semana e terminava tarde, no mesmo dia, quando chegava em casa, exausta, passando mal, com vontade de vomitar. Um ritual que era uma preparação para outro, mais cruel e do qual não poderia escapar.
Sorte, azar, felicidade passaram a ser apenas palavras que talvez pudessem ter algum significado para as outras pessoas. Não para ela. Não depois que numa manhã, terminado o banho, passou a mão pelos seios e notou, embaixo do direito, um caroço. Duro, feio, maligno.

Nenhum comentário: