Aposentado

Vida de aposentado é chata. Mal havia acabado de levantar, fez o café para a família, ou seja, a mulher e os dois filhos. Limpar o carro foi a tarefa seguinte. Depois, seguiu a rotina de ir à banca comprar o jornal. O resto da manhã, até o almoço, gastou se inteirando das últimas notícias – se é que elas tivessem alguma importância para ele. Depois do almoço, uma soneca. Depois da soneca, hora de sair para a rua, ver como andam as coisas. 
Até o centro da cidade a rua seguia plana, com pouco comércio e muitas casas, alguns prédios. Pouca gente para cumprimentar. Só no salão de barbeiro. 
– Novidade, seu João?
 – Tudo velho. Vamos aparar o cabelo? 
– Hoje não. Quem sabe amanhã.... 
No centro, o bom era ficar um tempo na praça, com os amigos, também aposentados. Era ali o ponto de encontro de todos, ou quase todos que realmente importavam. Falavam de política, discutiam o tempo, ficavam sabendo quem havia morrido ou quem estava doente. Tomavam um cafezinho. Sentavam no banco e olhavam os jovens passando. 
Assuntos esgotados, o dia ainda era claro e dava para bater mais um pouco de perna. Olhar as vitrines, ver as novidades da moda ou os filmes que estavam passando nos dois cinemas centrais. 
Hora de voltar para casa. Passar na padaria, ver se ainda tem pão quente. O cheiro é tão bom... 
Em 15 minutos chegaria em casa. Sem pressa. Afinal, para quê pressa? O portão da garagem estava ainda aberto, sinal de que sua mulher ainda não havia voltado. Era ela quem ficava com o carro. Trabalhava com o carro. Ele não precisava de carro nenhum, tinha suas pernas para andar. 
Na televisão, programas chatos, sem graça, notícias sobre violência. No jantar, um bom copo de vinho. Amanhã, quem sabe, uma cervejinha
Os filhos comem e saem correndo, cada um para um lado, é festa, é namoro, essa juventude de hoje não para, tem uma energia danada. 
Antes de dormir, ele sente o cansaço no corpo. Um estranho cansaço. Um cansaço bem-vindo. O sono foi pesado, mas mesmo assim ele sonhou. Era como um passarinho que voava quando queria, sem peso, sem asas, sem culpas...

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