LUISINHO ATRASA DAS CONTAS

A fila do banco chegava quase na porta giratória. Só 20 minutos depois de avançar uns cinco metros em direção aos caixas foi que viu que apenas dois estavam abertos. 
Na verdade, um só: o outro era para idosos e gestantes. A atendente lixava as unhas, sem mais nada para fazer. 
Com a cabeça pesada, os pés inchados, o suor escorrendo do rosto e manchando a camisa, as costas doendo, achou que não ia aguentar. 
Saiu da fila, virou à esquerda e, ao avistar dois rapazes batendo papo em suas mesas, perguntou, com o que restava de suas forças:
- Por favor, quem é o gerente da agência?
Um deles se dignou a olhar aquela triste figura e respondeu, com uma voz fininha, chata e petulante:
- O gerente está almoçando. Volta só às 14 horas.
Seu relógio marcava meio-dia e vinte. Definitivamente, não ia conseguir esperá-lo.
Arriscou uma reclamação:
- Quer dizer que não tem ninguém que possa dar ordem para abrir mais caixas? Olha só o tamanho da fila...
Aí foi a vez do outro rapaz. Voz mais grossa e entonação ainda monótona, arrogante:
- O senhor não vê que estamos em horário de almoço?
E virou as costas para continuar a conversa.
Foi o que bastou para que Luís Carlos Almeida de Souza, que todos de sua vizinhança e do seu trabalho conheciam como Luisinho, um sujeito pacato que só saía do sério quando o Santos perdia e os amigos resolviam lembrá-lo do vexame, esquecesse das lições de sua mãe sobre como era feio falar palavrão - e da surra que levou certa vez de seu pai por ter dito que aquela novela da Globo que o impedia de ver um superfilme de bangue-bangue na Record era uma "merda".
Bem, isso havia ocorrido muito tempo atrás. 
Naquela agência bancária pequena, abafada e calorenta, ele não repetiu, para todos os que ali estavam, aquelas bobagens de criança.
Para um adulto como ele, vivido, cada vez mais cansado e dolorido, "merda" era pouco. 
As sete pragas do Egito saíram de sua boca como uma tormenta, um vendaval, um maremoto, um furacão - como a lava de mil vulcões, as chamas do inferno.
As contas da luz, da água e do telefone iam atrasar de novo.
Besteira. 
Valia mais aquela estranha sensação que o abrigou no resto do dia. Algo tão forte que até sua mulher, geralmente tão alheia à sua intimidade, reparou:
- Nossa, Luisinho, que é que você tem? Hoje você está tão diferente...



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