Vernissage

Aproveitou que o garçom estava perto e pegou mais um uísque. Virou-se, viu uma bandeja com salgadinhos passar ao lado e zapt! - livrou-a de dois canudinhos de camarão. Estavam deliciosos.
Enquanto isso, no burburinho da grande sala mal e mal se notava o artista, camuflado entre convidados tagarelas. Seus quadros pareciam esquecidos nas frias paredes brancas. Um, em particular, estava de tal forma perdido lá no fundo, pequenino entre uma enorme natureza morta vermelha-verde e um nu escandaloso violeta-creme, que tinha tudo para se sentir o filho enjeitado de um pai magnânino.
O vinho tinto acompanhava divinamente a coxinha recheada com requeijão, mas talvez fosse hora de comer mais uma empadinha de palmito.
E, no exato momento em que se preparava para decidir a continuação de uma noite muito agradável foi que acabou reparando naquele patinho feio espremido entre dois portentos. Um quadrinho assim tristonho e pálido não fazia jus àquela miríade de obras-primas.
Chegou mais perto da esquálida aberração. Ao tentar ajeitar o óculos para assegurar que a assinatura naquela insignificância era a mesma que adornava toda a beleza em redor, atrapalhou-se e um tantinho do líquido rubro saltou da taça para a tela já conspurcada de cores que não combinavam entre si. Sacou rapidamente o lenço e sem pensar em nada a não ser restaurar a antiga mediocridade daquela paisagem insípida, fez a descoberta que estragou o gosto dos canapés tão excelentes que haviam caído em seu estômago: a estampazinha era um óleo recém-acabado, talvez a derradeira obra, feita às pressas, que o artista tinha preparado para sua exposição.
Mais tarde, quando a algaravia já havia se dissipado, uns poucos convidados mais atentos elogiaram a audácia do pintor de expressar seus sentimentos em cores tão fortes e traços tão distorcidos. Alguém chegou a apontar o retângulo borrado vítima do atentado dionisíaco como exemplo acabado da maestria.
No dia seguinte, apesar da ressaca, com a cabeça ainda doendo e o estômago embrulhado (aquele maldito canudinho de camarão!), sentiu uma ponta de orgulho por ter dado uma pequena e despretensiosa contribuição para a arte moderna.

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