Uma da tarde

Jogou a toalha na cama, desligou o secador de cabelos, abriu a bolsa e tirou o maço de cigarros.
Acendeu um, jogou a fumaça para cima, pegou o batom e voltou ao banheiro.
- Vai demorar?
- Um minutinho só, amor.
- Estou com pressa, preciso voltar ao trabalho.
- Pegue meus óculos escuros na bolsa, por favor.
Os dois saíram apressados do quarto abafado do motel, entraram no carro e estranharam o sol da uma da tarde.
- Te deixo duas esquinas antes do prédio.
- Fico em frente da sorveteria, então.
A brecada repentina fez com que quase batesse a cabeça no pára-brisa. A bolsa que estava no seu colo foi para o assoalho. Esparramou chaves, cigarros, batons, dinheiro, lenços, uma figa de guiné, retratos e documentos numa confusão só.
- Pega rápido que aqui é ponto de ônibus.
- Um minutinho só, amor.
Deu adeuzinho com a mão direita e viu o Gol prateado ultrapassar dois ônibus e uma kombi antes de furar o sinal vermelho e sumir no trânsito.
Ajeitou o cabelo, cumprimentou o camelô que vendia perfumes iguais aos franceses, atravessou a rua olhando do lado errado, mas por sorte não vinha ninguém, apressou o passo e quando fez sinal para o porteiro do seu prédio abrir o portão, seu coração já batia mais devagar.
- O condomínio já chegou, dona Sílvia. A senhora pode pegar agora?
- Claro, seu Benê. E, por favor, avise o zelador que a luz do hall continua apagada. E que aqueles moleques do 301 só sabem ouvir música alto. Meu marido não agüenta mais tanto barulho.
Despediu-se com um boa tarde seu Benê que dizia tudo o que seu sorriso não revelava.
O elevador social estava quebrado - mas nada é perfeito.

Nenhum comentário: