A QUINTA DA MANHÃ


Ficou surpreso com o ato de se abaixar e apanhar aquela margarida raquítica daquele canteiro sujo, abandonado e cheio de mato daquela praça sem vida e sem cor daquela cidade da qual não fazia mais a menor questão de lembrar o nome.
Estava só naquele momento.
E naquele instante, ao ver de perto a flor pálida e tão pequena, a margarida insignificante que oscilava sob aquele vento glacial de  fim de outono, julgou que já havia feito muito por todos, por si mesmo e, quem sabe até, por este mundo.
Porque pensou assim: eu sou capaz de olhar a beleza e não me emocionar, eu sou capaz de olhar a tristeza e não chorar, eu sou capaz de olhar para o céu e só achar que ele é uma imensa mancha acizentada.
Porque pensou assim, jogou fora a flor sem graça e seguiu andando no meio daquele canteiro tomado pelas ervas daninhas daquela praça perdida num canto qualquer, sem crianças, sem cães, sem brinquedos, nem gritos ou latidos.
Porque pensou assim, balançou a cabeça e atravessou a rua. 
Do outro lado, no bar da esquina, tomou a quinta cachaça daquela manhã.
Estava curado do desasossego.
Pelo menos por enquanto.