MANHÃ CHUVOSA E FRIA


Ao entrar no escritório onde exercia com rara habilidade a difícil tarefa de fazer sua mediocridade ser vista como um grande esforço em prol do sucesso da empresa, notou, incrédulo, naquela manhã chuvosa e fria, que alguns olhares se fixaram por instantes nele.
Pior, que algumas cabeças até mesmo se voltaram para sua mesa, quando se sentou e fingiu estar procurando papéis que não tinham nenhuma importância para aquele momento ou para qualquer outro, fosse qual fosse o futuro, trágico, cômico, ou simplesmente igual ao passado esquecido e ao presente ignorado.
Teve um estremecimento. 
Achou mesmo que de nada haviam valido todos aqueles anos de absoluta invisibilidade, e que, por fim, toda a mentira com que construíra seu intolerável cotidiano tinha sido descoberta.
Passou mal, sentiu o estômago se contrair, um calafrio correu sua espinha e chegou a suar, um suor gelado como aquela manhã fatídica.
Mas felizmente o sol voltou à sua vida quando Vandinha, a descolorida vizinha de mesa, puxou-o para a realidade ao dizer apenas uma frase, síntese do inesperado que a vida nos revela, resumo das nossas esperanças, ponto final dos nossos sonhos e dos nossos mais profundos pesadelos:
- Seu Alberto, acho melhor o sr. tirar o seu chapéu, que ele tá todo molhado e tá pingando no chão e pode estragar o carpete.