COISA DE ARTISTA



Sexta à noite, casadinhos de novo, programa no restaurante mais chique do bairro. Caro que só vendo. Cedo ainda, primeiros a chegar. Mesa de canto, cardápio na mão, filé ao poivre para ele e salada tropical para ela - comia pouco, fazia regime. 
Tomavam o primeiro gole da cerveja quando a atriz de novela entrou, de mãos dadas com um rapaz loiro, novinho, novinho. Sentaram no canto mais escuro do lugar. Pareciam fregueses habituais - o maitre até brincou com os dois.
Neusinha não aguentou:
- Ela é mais bonita ainda ao vivo. morrendo de vontade de pedir um autógrafo.
Carlinhos não deixou:
- Deixa de ser tonta. Parece caipira. 
Mas não desgrudava os olhos daquela beleza.
O filé estava mais ou menos.
Na salada faltou o melão.
A artista e o loirinho bebiam vinho. Uma garrafa inteira. Pediram outra para o garçom.
- Carlinhos, vai, me deixa eu ir lá antes que o restaurante encha. Juro que só vou cumprimentar.
- Você é boba mesmo. Não tá vendo que vai estragar o clima deles.
- Mas eu vou de qualquer jeito!
E se levantou.
Foi quando a mão do loirinho derrubou a garrafa de vinho recém aberta e a blusa imaculadamente branca da atriz da televisão ficou vermelha e o seu rosto também mudou de cor e até o alto falante que tocava aquela música de orquestra emudeceu quando naquele salão quase vazio a voz estridente da moça se impôs numa falta de educação nunca vista naquele lugar brega chique:
- Seu burro, olha o que você fez. cheia de você!
Neusinha, que já estava em pé, desabou na cadeira.
Carlinhos chamou o garçom que tentava se manter indiferente à cena.
- Me vê a conta, por favor.
Pagou, pegou a mulher pela mão e só abriu a boca quando deu partida no carro:
- E ainda me cobraram R$ 6 pelo cafezinho!