Exatamente às 17h55, Venício fechou a gaveta de sua mesa, levantou-se, despediu-se da faxineira que acabara de entrar no escritório e, com passos firmes, andou os 24 metros que separavam sua cadeira da porta do elevador. Chegou na entrada do prédio às 18h02. O trânsito na rua já estava caótico.
Contrariando tudo o que fizera nos últimos 15 anos, dessa vez Venício não foi até o ponto de ônibus. Passou direto por ele e seguiu, com os mesmos passos firmes, até a esquina.
Nela, funcionava havia apenas cinco meses uma loja de carros usados.
Venício parou e, depois de confirmar que levava todos os documentos na carteira, entrou e chamou um vendedor. Eram 18h10.
Às 19h15, Juvenal, porteiro e faz-tudo do condomínio São Geraldo, um prédio de 12 andares com 2 elevadores e 48 apartamentos, situado num bairro classe média baixa, chamou o faxineiro Zezé, que passava carregando o último latão de lixo, que deveria ser depositado na saída da garagem, para facilitar o trabalho dos lixeiros pela manhã.
- Rapaz, o seu Venício está atrasado hoje.
Zezé depositou o latão e coçou a cabeça.
- É mesmo, nunca vi coisa igual.
Dona Esmeralda, do 32, que saía naquele instante para comprar pãezinhos na padaria Fortuna, ouviu o diálogo.
- Seu Venício atrasado? Não é possível, deve ter acontecido alguma coisa...
Na padaria, dona Esmeralda encontrou a Zilá, do 74, e contou a novidade. Zilá, quando esperava o elevador, topou com seu Marcolino, do 53.
- O Venício não é homem de se atrasar. Alguma coisa grave deve ter acontecido - deduziu Marcolino, homem sério que não chegou a síndico do São Geraldo só porque tinha medo de perder a eleição.
Às 20h33 todo o condomínio sabia da notícia. Venício não havia aparecido até aquela hora.
O síndico, rapaz novo que morava fazia só dois anos no São Geraldo, recebeu o telefonema do porteiro Juvenal quando se preparava para a primeira garfada do jantar - arroz, feijão, ovo e salsicha.
- Desculpe incomodar, seu Jorge, mas é urgente. Não sei o que fazer. O seu Venício não apareceu.
- E o que o sr. acha que a gente deve fazer? Ele não tem parentes. É caso de avisar a polícia.
Eram então 21 horas exatas.
Jorge desceu de seu apartamento para usar o telefone da portaria. Não queria ligar para a polícia de casa para não alarmar a mulher e a filha pequena.
Pegou no telefone às 21h08. Mas não discou porque ouviu uma buzina forte, insistente e irritante vinda da frente da garagem.
De um Gol vermelho.
O motorista fazia sinais. Juvenal foi até ele e, às 21h17, voltou à portaria.
- É o seu Venício. Comprou esse Gol na semana passada e tirou o carro hoje da loja. Pediu para eu avisar a dona do 23 que amanhã vai precisar da vaga da garagem que aluga para ela. Mas está com medo de deixar o carro na rua hoje. Pediu para eu ajudá-lo a olhar. Tem medo que por ser vermelho chame muito a atenção.
Às 22h03 Jorge se preparava para ver ser a TV tinha ainda alguma coisa que valesse a pena assistir.
No mesmo horário, Venício tirava uma sujeirinha do capô do Gol vermelho com uma flanela amarela, presente do posto de gasolina Boa Viagem.
O porteiro Juvenal olhava a cena da calçada, mãos no bolso.
- Juvenal, quero ver se agora alguém do serviço reclama de eu chegar atrasado.
- De jeito nenhum, seu Venício. De jeito nenhum.
Juvenal, naquele momento, às 22h07, achou que trabalhar no São Geraldo era a melhor coisa do mundo.