Grife

Parada no semáforo, ela olhava o Audi prateado da fila à direita. Viu as horas no Cartier no pulso esquerdo e percebeu que se o trânsito continuasse ruim como estava acabaria perdendo o horário que havia reservado no Soho. Abriu a bolsa Gucci jogada no chão, à frente do banco do carona (imagine que iria deixá-la à vista com tantos marginais soltos por aí!), e conferiu na carteira Burberry de tonalidade vermelha seu cartão Personnalité. Achava que podia tê-lo esquecido no apartamento.
Distraída um instante por uma buzina aguda que vinha do lado direito, tirou o Prada número 38 que calçava do pedal de freio e por um daqueles azares da vida que até então desconhecia, acabou voltando o pé direito ao acelerador. Assustou-se com o barulho do motor, acionado repentinamente a mais de 5 mil rpms, e soltou a embreagem. O BMW preto deu um pulo à frente como um touro selvagem.
O moleque pardo magricela que fazia malabarismos levou o coice nas pernas. Quando sua cabeça bateu no asfalto, um filete de sangue escorreu quase instantaneamente.
Mas ele era um sobrevivente. Apesar de gemer bastante, comportou-se direitinho e aguardou imóvel a chegada da ambulância.
O BMW ficou na calçada, praticamente sem nenhum dano. Os policiais foram gentis com a sua dona. Ela chorou muito e foi bem tratada pelo escrivão. O advogado da empresa do marido também foi muito solícito.
A ambulância demorou mais de uma hora para chegar. Muita gente que passava pelo cruzamento diminuía a marcha para olhar a cena do moleque magricelo estendido no chão, cercado por quatro policiais.
O motorista da ambulância e seu ajudante - talvez um enfermeiro - levantaram o moleque sem muito cuidado para colocá-lo na maca.
Foi o motorista que fechou a porta traseira da ambulância. Fechou sem cuidado, com a mão direita, batendo forte. Na mão esquerda segurava um par de tênis.
Nike.
Quase novo.


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