Um anjo

Sempre foi a queridinha de todos. Criança ainda, quando brincava com os priminhos e priminhas, amiguinhos e amiguinhas da escola, era a primeira a socorrê-los quando algum deles se machucava.
– Tadinho, deixa que eu saro o dodói...
Cresceu, foi ficando moça e todos diziam que ela tinha um bom coração. Um enorme coração. Sempre prestativa, era só chamar que ela ia. Papai ficou doente, ela passou noites em claro, pois mamãe precisava descansar e o irmãozinho tinha de trabalhar. Duas semanas praticamente sem dormir, ali na cabeceira da cama. Deixou até mesmo de ir à escola. Os professores entenderam: estava cuidando do papai.
Era ótima aluna. Tomava nota de todas as aulas, com sua letra pequena, arredondada, quase perfeita. Os colegas a adoravam. Chegava ao cúmulo de passar cola para que o burrinho do lado não fosse reprovado.
Ia a festas, muitas festas. Porque era muito legal, os rapazes gostavam dela. Namorou duas vezes, mas os meninos no máximo deram uns beijinhos.
Conheceu um cara mais velho, começou a sair com ele. Percebeu que era diferente dos outros. No terceiro encontro, além do beijo, ele acariciou seus seios. Ficou envergonhada. Foi para casa, nem dormiu pensando naquilo. O namoro durou só dois meses.
Entrou na faculdade, conheceu gente diferente. Desmanchou o namoro. Viu rapazes e moças se drogarem, beberem, mas ela não era disso. Continuou sempre boazinha com todos. Saía com os novos amigos, fingia que se divertia, mas sabia que no fundo não havia sido feita para aquilo.
Formada, voltou para sua cidade, continuou a morar com os pais e o irmão. Arranjou emprego de professora. Os alunos gostavam dela.
O tempo passou, ficou mais velha. Ainda estava sempre disponível para ajudar quem quer que fosse, a qualquer hora. Tinha muitos amigos, mas se sentia sozinha. Os pais envelheciam rapidamente. O irmão ficava cada vez mais fora de casa.
A mãe morreu primeiro. Logo em seguida, foi o papai. Ficou triste, pensou em sair da casa, mas não teve coragem. Agora tinha de cuidar do irmãozinho.
Continuou sua vida, parecia que estava sempre alegre, ainda se encontrava com amigos. Arranjou um namorado, o primeiro em muitos anos. Carinhoso, bonito até, e ela achou que dessa vez tinha acertado. Foi pedida em casamento, ficou assustada. Mas aceitou.
A festa de casamento foi demais. Todos os parentes, os amigos, veio gente até da faculdade. Na noite da lua-de-mel percebeu o erro. Chorou, chegou até a gritar. Acabou pedindo a separação poucos meses depois. Achava que gostava muito dele para fazê-lo ainda mais infeliz.
A partir de então sua vida se resumiu em ajudar os outros. Passou a freqüentar associações de amparo a velhinhos, a criancinhas, a animais, a sem-teto, a órfãos. Ficou mais magra, os amigos e parentes se preocupavam, seu irmão, quando estava em casa, perguntava se ela estava se sentindo bem. Ela dizia que sim, que ele não se preocupasse.
Quando entrava em qualquer uma das associações que ajudava, tinha certeza que ouvia alguém falar, baixinho, para que não ouvisse:
– Ela é um anjo!
Nessa hora, seu coraçãozinho batia mais forte, mais rápido, e ela acreditava que era feliz.

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