O gandula

Acabava o treino, o moleque de pernas finas pegava uma das bolas que havia escondido, esperava o pessoal ir embora, olhava para todos os cantos do estádio e cumpria uma espécie de ritual: pendurava uma camiseta no canto esquerdo da trave, colocava a bola no bico da grande área, se afastava uns cinco metros e pimba ...
Era difícil acertar na primeira. Tentava uma segunda vez e era quase sempre na terceira que via a camiseta balançar e a bola morrer na rede do gol.
Depois que acertava esse primeiro chute, trocava a posição da camiseta - ora no meio, ora no canto direito, ora embaixo da trave. Repetia com a mesma seriedade os mesmos gestos, os mesmos passos, a mesma corrida, a mesma expressão séria. Quando começava a escurecer, jogava a bola para seu esconderijo, pegava a camiseta toda suja e ia embora para sua casa - aquilo era uma casa?
Um dia, logo depois do craque do time ter dado nele uma dura por ter demorado a devolver a bola que havia chutado na porta de entrada do vestiário - "moleque folgado, corre logo que tamos aqui com pressa pra acabar essa porcaria de treino"-, ele se sentiu cansado, como nunca havia estado antes. Sentou-se e não resistiu àquela grama molhada, friazinha. Deve ter dormido, pois quando acordou viu que o sol estava caindo. Levantou-se depressa, pegou a camiseta e pendurou na trave. Catou a bola, se afastou os cinco metros de sempre e largou o chute. Na primeira! Não deu tempo de mudar a camiseta de lugar. Um apito chamou a sua atenção. Virou-se e deu de cara com o treinador.
- Moleque, amanhã você pega o uniforme com o Chiquinho, não precisa de chuteira ainda que você só vai jogar no coletivo no mês que vem. Mas é bom se preparar para suar bastante. Quero ver você puxando a fila. Você tem as pernas finas demais. Precisa ganhar músculo ....
O treinador então se virou e foi embora. O moleque ainda ouviu ele dizer, meio resmungando:
- Puta que pariu, de cada três ele acerta uma!

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