GIGANTE

Baixinho, tampinha, nanico, meia dose, chaveirinho, goleiro de pebolim, pintor de rodapé, piloto de autorama, caçador de lagartixa, amostra grátis, salva-vidas de aquário, maquinista de ferrorama .
Ouviu isso a vida inteira. Às vezes ria. Depois chorava de raiva. Mas aguentou calado. Os anos se passaram, subiu na vida. Era pequeno, mas importante. Estudou, deu duro, trabalhou feito um burro (ops, um burrinho), foi duro com os amigos (poucos), fez inimigos (muitos) e hoje sabia que era invejado.
Apesar do metro e meio de altura.
E, mais que invejado, respeitado.
Por isso estava orgulhoso de ter sido convidado para a cerimônia de assinatura do contrato da firma em que trabalhava com aquela multinacional poderosa, distante, fria e exigente. Contrato que tinha redigido, modificado, corrigido, linha por linha, palavra por palavra, vírgula por vírgula. Um triunfo que atingia, naquele momento, seu auge.
- Com a palavra, agora, o dr. Gilmar Pereira, diretor-presidente da Pereira Edificações. Palmas merecidas.
Os fotógrafos e cinegrafistas se atropelaram na busca do melhor ângulo.
- Senhoras e senhores, é com muita satisfação que recebo cada um de vocês nesta humilde casa para anunciar que fechamos o contrato para a construção do maior empreendimento imobiliário de nossa cidade, com nada mais nada menos que a Empire Investments. Todos os detalhes do negócio serão dados posteriormente pelo nosso diretor-financeiro, o dr. José Ribeiro. Quero também, neste momento, agradecer ao nosso diretor-jurídico, o dr. Bráulio Gimenez, que empreendeu uma tarefa hercúlea, à altura de seu enorme, imenso, gigantesco talento...
O que se seguiu depois teve várias versões. Mas ficou mesmo a que saiu no Jornal de Notícias: "A determinada altura do discurso do diretor-presidente da empresa, justamente na parte em que era elogiado pelo seu 'enorme, imenso, gigantesco talento', o diretor-jurídico, dr. Bráulio Gimenez, começou a xingar o seu patrão, entre outros palavrões impublicáveis, com gritos de 'filho da p..., gigante é a mãe', antes de agredí-lo com chutes e socos e ser, finalmente, contido e dominado pelos seguranças."
O estilo pode ser ruim, mas a descrição foi fiel aos fatos.
O jornal fez ainda a ressalva de que o dr. Bráulio Gimenez, justamente devido aos meses de trabalho exaustivo que tivera para concluir o contrato com a Empire Investments, havia sido vítima de um colapso nervoso.
Informou também que ele estava tomando uma medicação muito forte, "capaz de reações imprevistas se adicionada a bebidas alcoólicas", como explicou seu médico particular, o dr. Bento José Dias.
E testemunhas juram que viram o dr. Bráulio Gimenez pedir pelo menos três doses de uísque no coquetel que antecedeu o discurso do patrão.
"E doses duplas, que derrubariam até um homem de tamanho normal", disse um dos convidados ao repórter do Jornal de Notícias.



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